terça-feira, 12 de abril de 2005

Viver em sociedade

Recebi hoje (mais) um daqueles mails a pedirem uma doação de medula óssea. Acho difícil haver alguém, dentro dos habituais frequentadores deste encantador espaço virtual que é a Internet, que nunca tenha recebido um mail destes.

O mais caricato é que nestes mails já não se pede às pessoas que vão doar sangue ou medula. Pede-se que reenviem o mail. Porque “não custa nada”.

Por regra pessoal, geralmente não reenvio este tipo de mail. Não por desprezo à causa (seja ela qual for), mas antes por achar que na maioria das vezes, essa atitude não resolve nem ajuda no que quer que seja. E não digo isto por dedução pessoal ou para servir de desculpa a não ter trabalho (qual trabalho?!).

Lembro-me de há já bastante tempo ter visto num qualquer canal nacional uma reportagem exactamente acerca deste tipo de pedidos de ajuda via e-mail. Aquilo que retive até hoje foi o discurso de uma enfermeira de um hospital lisboeta apelando a que não se fomentasse esse tipo de mails. E o motivo era claro: corria há já 3 ou 4 meses um mail na Net a pedir sangue para alguém que tinha ficado em estado muito grave depois de um acidente de viação. O que aconteceu foi que durante todo esse espaço de tempo os hospitais foram entupidos (literalmente) de gente que procurava ajudar e dar um pouco do seu sangue ao tal individuo que estava (segundo se dizia) às portas da morte. Não havia já espaço para armazenar as doações de sangue e os serviços hospitalares estavam a ter problemas de funcionamento, tal era a avalanche de almas caridosas. E o individuo que estava às portas da morte..? Ninguém sabia quem ele era.

Falando a nível estritamente pessoal, não reenvio este tipo de mails, não dou esmolas aos pedintes nas ruas e não compro pensos às ciganas. Em vez disso, compro a Cais sempre ao mesmo senhor (simplesmente porque gosto dele e vê-se nos olhos que é boa pessoa), dou a minha roupa e brinquedos e livros antigos a instituições de ajuda social, não atiro lixo para o chão (nem a minha gosma nasal) e, eventualmente, faço um ou outro donativo monetário ou alimentar para alguma das grandes (e reconhecidas) instituições de ajuda social.
Não quero aqui passar nenhuma moral (até porque não a tenho em tão grande quantidade que a possa dar.. ou doar). Faço muitas coisas que podem ser condenáveis ou criticáveis, como aliás muitos (muitos) de nós, comuns mortais.

Aquilo que me parece disfuncional (deu trabalho achar a palavra certa!) é que nós, a sociedade da aldeia global, só actuemos (quando de facto actuamos) perante tragédias gigantescas ou perante o confronto directo à nossa boa vontade ou solidariedade. Parece-me muito mais eficaz e útil que este tipo de ajudas se faça numa base de rotina (seja qual for a periodicidade dela), contrariamente ao instinto humanista de ajudar apenas quando perante uma grande catástrofe (não querendo com isto dizer que não se ajude também nestes casos, claro!).

Enquanto nos chocam tremendamente casos como o Tsunami, esquecemo-nos no dia-a-dia dos milhões de pessoas que vivem constantemente em situações de pobreza total, de guerras e conflitos armados, de falta de assistência médica, de fome, etc. Esquecemo-nos até daqueles que vemos diariamente no nosso bairro ou a caminho do emprego. Afecta-nos com maior poder aquilo que vemos na TV ou nos jornais, mesmo que seja do outro lado do mundo, mas a verdade é que à nossa volta há tanto a fazer pelos outros. E por vezes, coisas bem simples, como dar uma “gorja” ao arrumador de carros (àqueles que de facto ajudam a organizar o estacionamento.. disse arrumador, não caroxo), ajudar alguém a passar uma estrada ou a carregar alguns pesos, dar umas mantas aos sem-abrigo quando os termómetros descem, dar um prato de comida a um animal vadio, dar uma boleia a alguém que sabemos que vai para o mesmo sítio que nós (mesmo que não o conheçamos pessoalmente), despender de alguns minutos do nosso dia a ouvir alguém que precisa de desabafar ou que precisa simplesmente de um pouco de atenção (mesmo que não o conheçamos pessoalmente)..

É óbvio que não podemos salvar o mundo. Seria idealista (idealismo - s. m., atitude que consiste em subordinar o pensamento e a acção a um ideal; idealidade; fantasia; devaneio) demais acreditar piamente nisso (e já diz o povo, olha quem fala!). Mas podemos fazer a nossa parte. E essa faz-se todos os dias. Começando no nosso bairro, passando para a nossa cidade, o nosso país, o nosso continente, o nosso mundo e o nosso planeta. Os pequenos gestos (também) fazem a diferença.


(se não servir para mais nada, ao menos ficam os links)

4 inputs:

O Puto disse...

Também aposto nos pequenos gestos, uma vez que não fui talhado para actos heróicos. E tb corto essas correntes, que na maior parte das vezes já estão obsoletas ou são falsas.
Quanto à medula óssea, inscrevi-me há já algum tempo no Centro de Histocompatibilidade do Norte (não foi por causa de nenhuma corrente, mas sim porque uma amiga que me sensibilizou para isso), onde forneci uma amostra de sangue e preenchi uns papéis. Tive que fornecer uma catrefada de contactos telefónicos, por forma a ser sempre possível localizar-me.
Ah, e obrigado pelo link. Como me descobriste e porque me linkaste? Fica bem!

Anónimo disse...

eu achei a reflexao deliciosa :)
(os links n liguei muito :P)

Anónimo disse...

Dárlingue...
Já há muito que passeio pelo teu espaço, mas só hoje li este post (ou blog?)(confesso que ainda não estou muito familiarizada com a linguagem da Blogosfera...). Concordo contigo em relação às correntes e grande parte das vezes também não passo - prefiro nem ler para não ficar de consciência pesada - mas a verdade é que há muito mais a fazer para além da CAIS...
Conheces o CEDACE? Centro de Histocompatibilidade do Sul? O teu amigo puto já fez o mesmo que eu... E afinal, doar medula não é mais que uma pequena doação se sangue, com a vantagem de que os componentes que eles não precisam voltam para nós!! Pesquisa e escreve um blog sobre isso... Sabes que a base de dados de dadores é mundial e que podes salvar um Patagonês????
Quantos mais formos, mais possibilidade teremos de salvar mais gente.
Pois é, tocaste-me no ponto fraco. É este o meu pequeno gesto. Sangue e medula. Dou com o maior gosto. É a minha parte... E é parte de mim que fica em alguém... que sobrevive!!
Beijos... e continua a bloggar. Tens piada :)

mir disse...

oh dárlingue.. então você não viu os links que eu cuidadosamente deixei espalhados pelo texto?
Mas olhe que, só porque a crida pediu, em breve terei um post somente sobre a medula (e sua doação). Até lá vou fazer os trabalhos de casa.

Um choxo para si.. amor!

(quando é que casas?! hein? hein?!)