sábado, 18 de maio de 2013

A realidade sempre supera a ficção

por Daniel Oliveira
 
Maria Teixeira Alves acha que as crianças estão melhor em instituições do que se forem “dadas” a homossexuais. Porque “pelo menos nas instituições não correm o risco de chegarem a adolescência e serem seduzidos pelos pais”. Ou seja, para a senhora Alves o homossexuais não passam de tarados que seduzem adolescentes, mesmo que sejam seus filhos. Ao contrário dos heterossexuais, que se forem homens não seduzem, em princípio, as suas filhas, os homossexuais têm aquele bichinho lá dentro que os impede de distinguir o certo do errado. Podemos então “dar”, à confiança, crianças a heterossexuais ("famílias normais"). A homossexuais é que não, porque aquela gente tem o sexo à flor da pele. Nem cães, nem gatos, nem abóboras lhes escapam. Eles não têm culpa. Só pensam naquilo.

Até aqui, tudo bem. O nível do argumento é tal que já nem me choca. Mas a coisa pia mais fino quando Maria Teixeira Alves escreve isto, noutro post: “Os ignóbeis socialistas e bloquistas vão levar amanhã mais uma vez a adopção de crianças por duas pessoas homossexuais do mesmo sexo que vivam juntas, ao Parlamento. Não se enganem, todas as manifs, todos os Grandolas Vilas Morenas, todos os Galambas e Dragos, todos os actos de terrorismo de interrupção de membros do Governo em actos públicos, têm um único objectivo "dar crianças aos homossexuais".

Que a senhora ache que a interrupção voluntária de membros do governo acontece porque, lá no fundo, o PS e o BE andam a recolher crianças para as dar aos homossexuais, é lá com ela. Nos tempos que correm, um gajo está habituado a ler de tudo. Que não tenha percebido que a lei aprovada permite a co-adopção pela pessoa que vive em união de facto ou casada com o pai ou mãe adoptivo/biológico (e não de crianças institucionalizadas), não me perturba. Habituei-me a ver demasiados jornalistas que nem percebem o conteúdo das leis que comentam. Que deseje que o Presidente da República “volte a ser iluminado por Nossa Senhora de Fátima” também me parece natural. Se a Virgem Maria resolve as avaliações da troika, porque não começar a participar de forma mais ativa no processo legislativo? Mas que uma jornalista (“grande repórter” , ainda por cima) do “Diário Económico” trate os deputados de que discorda como “ignóbeis” é um pouco mais complicado. Impede-a de os entrevistar, de escrever notícias sobre eles, de relatar o que eles fazem. Pelo menos eu, se fosse um dos deputados referidos e esta senhora me fizesse uma pergunta ou me pedisse um comentário, era capaz de a mandar a um lugar menos simpático. Alguns jornalistas no ativo têm de meter, de uma vez por todas, uma coisa na cabeça: ou fazem notícias ou insultam os objetos das suas notícias. Não podem fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Dedicam-se, como eu decidi fazer, ao comentário. E deixam as redações para quem quer fazer jornalismo noticioso. Ou, pelo menos, comentam com a moderação linguística que as suas relações profissionais com os protagonistas políticos exigem.

Dito isto, tenho de ir andando. Está na hora da saída das escolas. Há imensas crianças na rua. Vou jantar a casa de um casal gay e se não lhes levo uma eles ficam sentidos. É isso que esperam de gente ignóbil. No bom sentido do termo, claro está. Porque, tal como a senhora Maria Teresa Alves, "não dou cobertura a insultos".