Quando é que o amor começou?
Começou antes de ter começado.
E depois?
E depois não acabou quando devia
acabar. Durou mais tempo. O coração bate mais tempo. Não há maneira de parar o
coração.
E ele agarrou-lhe a mão, e ela
agarrou-lhe as mãos, e ficaram de mãos dadas, primeiro a olharem para as mãos,
depois levantando lentamente os olhos, que por fim se encontraram, perdendo-se
uns nos outros, sem já saber quem via ou era visto, os olhos ao mesmo tempo a
verem e a serem vistos, nus, sem qualquer pudor, como se tudo fosse possível
uma vez mais, uma última vez, sem esquecer que o que lhes estava a acontecer é
impossível, quanto mais de esquecer.
E ele despido e nu, o que não
quer dizer a mesma coisa […].
E abraçávamo-nos com toda a força
que tínhamos, como se os corpos estivessem a mais no meio do que queríamos
juntar […].
Sinto-me tão a mais. Não sentes
como me sinto? Quase a enlouquecer. Cheio de medo de amar, tanto medo, mete
tanto medo o amor.
Queres saber
quem sou? Eu sou o que te olha e espia para te recolher e depois guardar num
lugar que é só meu. Para isso serve o papel. O resto não precisas de saber. Nem
convém. Só te ia distrair, podes crer. Eu sou o que mergulha as mãos na tua
vida para sentir a minha a voltar.
O que
interessa é a atitude, insistes, mais não podemos? Não podemos fazer nada mas
podemos mudar tudo, é isso que queres dizer? Começar por nós, terminar em nós?
Mudar-me a mim e mudar o mundo, como é isso? Começar por mim e acabar em mim e
mudar tudo à minha volta, como assim? Se já reparei. Que ao tornar-me melhor o
mundo fica melhor? E ainda me pedes que não tenha medo e deixe de esperar o
impossível?
Sim, querido,
a vida é uma coisa muito estranha. Tão fácil de reconhecer, impossível de
saber.
É tão bom
sentir o que sinto. Que alguém, e és tu, me quer com o maior cuidado para não
se enganar, iludir, mentir a si próprio que não me está a confundir, sem querer,
com o que desejava ver, sempre esperou alcançar, sonhou quando era criança num
sonho que ficou, quer mostrar aos outros, ao pai em especial, a quem quer que
seja, pouco importa. Não, do que tu gostas mais em mim é dos meus pecados, dos
meus defeitos físicos, de tudo o que não consigo ser, onde falhei, onde não
pára nunca de doer, é isso o que tu queres ver, o que queres ter perto de ti,
queres aceitar e cuidar, só isso, e o resto, só se vier com isso, porque é isso
que tu amas em mim. Será isso? Será assim? Será possível pela primeira vez?
Pode ser, talvez seja disso feito o nosso amor.
Ele
mandou-lhe um postal com uma fotografia a preto e branco de muitos meninos a
correrem na areia junto ao mar e escreveu nas costas em letras garrafais:
quando? Ela respondeu no mesmo dia com um postal que reproduzia a cores uma
pintura retratando um velho samurai e escreveu nas costas em letras garrafais: sempre.
Sozinhos,
pelo menos, não fazemos mal a ninguém, não achas?
[…] sei tudo
o que há a saber sobre as mulheres. Resume-se a isto: em todas, sem excepção
alguma, encontram-se duas constantes: uma expectativa, que não revelam, e uma
decepção, de que não se queixam.
Não sei bem
nem como acabou nem o que aconteceu. Não é sempre assim o amor?
As pessoas
são insensatas, inconstantes e egoístas.
Ama-as,
apesar de tudo.
Se fizeres o
bem serás acusado de agires por outros motivos.
Faz o bem,
apesar de tudo.
Se tiveres
êxito ganharás falsos amigos e verdadeiros inimigos.
Tenta alcançá-lo,
apesar de tudo.
Todo o bem
que fizeres amanhã será esquecido.
Faz o bem,
apesar de tudo.
A
honestidade e a franqueza tornam-te vulnerável.
Sê honesto e
franco, apesar de tudo.
O que
passaste anos a fazer será destruído numa só noite.
Constrói o
que tens de construir, apesar de tudo.
As pessoas
precisam de ajuda mas atacar-te-ão se as ajudares.
Ajuda-as,
apesar de tudo.
Dá o melhor
de ti e serás atingido nos dentes.
Dá ao mundo
o melhor de ti, apesar de tudo.
É tão
estranho conhecer uma pessoa. Tão difícil que parece impossível. Não existir e
passar a existir: uma pessoa inteira, um mundo inteiro.
A memória é
uma deusa zangada e irascível que na nossa soberba julgámos poder desrespeitar.
O amor não
tem tempo, vive sem nós. Nós é que vivemos no amor durante um tempo, num
movimento do amor. Mas o amor, esse vai continuar, não tem maneira de acabar.
Mas tem
cuidado em separar o que merece e o que não merece o teu amor, ou pelo menos
tenta separar, se bem que tudo, mesmo tudo, precise urgentemente de amor. Para
não te desperdiçares não dês o teu amor a quem to tira.
E, no
entanto, só temos as palavras, nada é mais nosso do que as palavras que passam
por nós.
De um
momento para o outro podemos desaparecer, vamos mesmo desaparecer, não
esqueças.
E para que
serve o amor, diz-me já.
Serve para
perder o medo.
1 inputs:
Muito bonito.
iv.
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