quarta-feira, 3 de abril de 2013

Muito, meu amor

Quando é que o amor começou?
Começou antes de ter começado.
E depois?
E depois não acabou quando devia acabar. Durou mais tempo. O coração bate mais tempo. Não há maneira de parar o coração.

 
E ele agarrou-lhe a mão, e ela agarrou-lhe as mãos, e ficaram de mãos dadas, primeiro a olharem para as mãos, depois levantando lentamente os olhos, que por fim se encontraram, perdendo-se uns nos outros, sem já saber quem via ou era visto, os olhos ao mesmo tempo a verem e a serem vistos, nus, sem qualquer pudor, como se tudo fosse possível uma vez mais, uma última vez, sem esquecer que o que lhes estava a acontecer é impossível, quanto mais de esquecer.

 
E ele despido e nu, o que não quer dizer a mesma coisa […].

 
E abraçávamo-nos com toda a força que tínhamos, como se os corpos estivessem a mais no meio do que queríamos juntar […].

 
Sinto-me tão a mais. Não sentes como me sinto? Quase a enlouquecer. Cheio de medo de amar, tanto medo, mete tanto medo o amor.

 
Queres saber quem sou? Eu sou o que te olha e espia para te recolher e depois guardar num lugar que é só meu. Para isso serve o papel. O resto não precisas de saber. Nem convém. Só te ia distrair, podes crer. Eu sou o que mergulha as mãos na tua vida para sentir a minha a voltar.


O que interessa é a atitude, insistes, mais não podemos? Não podemos fazer nada mas podemos mudar tudo, é isso que queres dizer? Começar por nós, terminar em nós? Mudar-me a mim e mudar o mundo, como é isso? Começar por mim e acabar em mim e mudar tudo à minha volta, como assim? Se já reparei. Que ao tornar-me melhor o mundo fica melhor? E ainda me pedes que não tenha medo e deixe de esperar o impossível?

 
Sim, querido, a vida é uma coisa muito estranha. Tão fácil de reconhecer, impossível de saber.

 
É tão bom sentir o que sinto. Que alguém, e és tu, me quer com o maior cuidado para não se enganar, iludir, mentir a si próprio que não me está a confundir, sem querer, com o que desejava ver, sempre esperou alcançar, sonhou quando era criança num sonho que ficou, quer mostrar aos outros, ao pai em especial, a quem quer que seja, pouco importa. Não, do que tu gostas mais em mim é dos meus pecados, dos meus defeitos físicos, de tudo o que não consigo ser, onde falhei, onde não pára nunca de doer, é isso o que tu queres ver, o que queres ter perto de ti, queres aceitar e cuidar, só isso, e o resto, só se vier com isso, porque é isso que tu amas em mim. Será isso? Será assim? Será possível pela primeira vez? Pode ser, talvez seja disso feito o nosso amor.

 
Ele mandou-lhe um postal com uma fotografia a preto e branco de muitos meninos a correrem na areia junto ao mar e escreveu nas costas em letras garrafais: quando? Ela respondeu no mesmo dia com um postal que reproduzia a cores uma pintura retratando um velho samurai e escreveu nas costas em letras garrafais: sempre.

 
Sozinhos, pelo menos, não fazemos mal a ninguém, não achas?

 
[…] sei tudo o que há a saber sobre as mulheres. Resume-se a isto: em todas, sem excepção alguma, encontram-se duas constantes: uma expectativa, que não revelam, e uma decepção, de que não se queixam.

 
Não sei bem nem como acabou nem o que aconteceu. Não é sempre assim o amor?


As pessoas são insensatas, inconstantes e egoístas.
Ama-as, apesar de tudo.
Se fizeres o bem serás acusado de agires por outros motivos.
Faz o bem, apesar de tudo.
Se tiveres êxito ganharás falsos amigos e verdadeiros inimigos.
Tenta alcançá-lo, apesar de tudo.
Todo o bem que fizeres amanhã será esquecido.
Faz o bem, apesar de tudo.
A honestidade e a franqueza tornam-te vulnerável.
Sê honesto e franco, apesar de tudo.
O que passaste anos a fazer será destruído numa só noite.
Constrói o que tens de construir, apesar de tudo.
As pessoas precisam de ajuda mas atacar-te-ão se as ajudares.
Ajuda-as, apesar de tudo.
Dá o melhor de ti e serás atingido nos dentes.
Dá ao mundo o melhor de ti, apesar de tudo.

 
É tão estranho conhecer uma pessoa. Tão difícil que parece impossível. Não existir e passar a existir: uma pessoa inteira, um mundo inteiro.

 
A memória é uma deusa zangada e irascível que na nossa soberba julgámos poder desrespeitar.

 
O amor não tem tempo, vive sem nós. Nós é que vivemos no amor durante um tempo, num movimento do amor. Mas o amor, esse vai continuar, não tem maneira de acabar.

 
Mas tem cuidado em separar o que merece e o que não merece o teu amor, ou pelo menos tenta separar, se bem que tudo, mesmo tudo, precise urgentemente de amor. Para não te desperdiçares não dês o teu amor a quem to tira.

 
E, no entanto, só temos as palavras, nada é mais nosso do que as palavras que passam por nós.


De um momento para o outro podemos desaparecer, vamos mesmo desaparecer, não esqueças.

 
E para que serve o amor, diz-me já.
Serve para perder o medo.

1 inputs:

Anónimo disse...

Muito bonito.
iv.