domingo, 21 de outubro de 2012

Onomatopeia

Mais uma viagem de carro, mais um regresso a casa. Outro de tantos. Lembro-me da calma que pairava no ar enquanto ripostávamos ideias acerca de pequenos nadas da vida, numa conversa amena, iluminada pelas luzes da cidade que se escondia atrás dos montes, naquela noite semi húmida. Fui para casa e tu também. Desejei-te boa noite e agradeci-te por mais um simples, e por isso mesmo puro, momento de felicidade, sem que, no entanto, tivesse usado estas mesmas palavras. Adormeci sabendo que pensavas em mim, como eu em ti.

A manhã chegou-me aos olhos sem o habitual zumbido que me trazia, sabe deus desde quando, o teu acordar. Estranhei, ponderando a remota hipótese de ter eu confundido a tua rotina naquela segunda-feira. Dei-te eu o meu acordar, com um sabor amargo na boca, esperando que este não me descesse ao coração. A manhã foi-se, a tarde entrou, a noite roubou-lhe o lugar. E o meu coração parou. A intuição nunca foi a preferida das minhas qualidades.

Morreste-me.

Lembro-me do dia, da hora, do local, do cheiro, do som, do sabor, da temperatura.

A vida continua como tudo continua, por grande que seja a dor. O tempo não parou um só segundo, nem com todos os meus pedidos. Até que me habituei à tua morte. Morreste-me e eu matei-te. Vezes sem conta até esquecer-me de te matar novamente. E é aí que sabemos, sem perceber, que matámos de vez.

Estava a tua existência esquecida na minha pessoa quando descobri que afinal vivias. Afinal respiravas. Senti-te o tal respirar e entraste-me nas veias. Coisa feia de se fazer depois de todo o trabalho que tive contigo. Mirei-te de longe, sem sequer te tocar, como fazemos a tudo o que é frágil e delicado. Apeteceu-me abanar-te, agitar-te por dentro e por fora, mas deixei-te pairar em meu redor enquanto te chamava todos os nomes que quis chamar quando morreste da primeira vez. Outra vez em silêncio, mas desta vez na tua cara. Não me importa que não os tenhas ouvido. Importa-me que saibas que me mataste ao fazer-me matar-te. E isso não se esquece. Nem se perdoa.