sábado, 26 de março de 2011

Mau censo(s)

O preenchimento dos questionários requer conhecimentos profundos de filosofia, o que pode contribuir para que os cidadãos se demorem no site mais do que seria de esperar. O INE pede, e cito, respostas “com rigor”, caso contrário o cidadão “estará a impedir a nitidez e o rigor do retrato do País e das medidas que, a partir dele, vierem a ser tomadas”. No entanto, na questão sobre o modo como se exerce a profissão, o INE indica: “Se trabalha a recibos verdes mas tem um local de trabalho fixo dentro de uma empresa, subordinação hierárquica efectiva, e um horário de trabalho definido, deve assinalar a opção ‘trabalhador por conta de outrem’”. Ou seja, neste ponto, o INE pretende rigor na falta de rigor. Há que ser rigoroso na bandalheira.

Quem preenche o inquérito tem o dever de ser verdadeiro na aldrabice que vai prestar. Filosoficamente, é uma operação complexa. Se o cidadão se encontra numa situação laboral ilegal, deve assinalar que se encontra numa situação laboral legal. Se não o fizer, “estará a impedir a nitidez e o rigor do retrato do País e das medidas que, a partir dele, vierem a ser tomadas”. Seria triste que, por causa de uma informação verdadeira mas fornecida com pouco rigor, fossem tomadas medidas para resolver um problema que existe mas torna o retrato do país um pouco menos nítido.



Ricardo Araújo Pereira in Boca do Inferno . Visão 24 Março 2011