quinta-feira, 16 de abril de 2009

Uma otite, um sofá e uma tarde toda para mim..

O meu quarto num sótão. A minha irmã a dividir o quarto comigo e eu a dividi-lo com ela. As tardes de Lego, Playmobil e Pinipon com a minha irmã. Os ataques da mãe ao fim de quatro dias de Lego, Playmobil e Pinipon espalhados por todo o chão do quarto. A minha secretária pejada de pequenos tesouros. O Spectrum avariado. O primeiro pc e a incompreensão acerca da utilidade da Internet e do mail. Os quatro no sofá a ver novelas. A Tieta e a Pedra Sobre Pedra. Adormecer no sofá enroscada na mãe. Ser levada ao colo para a cama pelo pai. As varizes do pai e eu sempre a crescer. As dores nos pés e eu sempre a crescer. A mercearia do Sr. Manel. A Dona Custódia sempre à janela a coscuvilhar. As pastilhas Gorila e as Super Gorila. O avô Chico a dizer “rajá”. O Fizz, o Krisspi, o Calipo, os Cornettos e o Perna de Pau da Olá. A pastilha elástica do Epá. O Nestum de chocolate e o Chocapic original. Os Push Pops e as Peta Zetas. Os sugos e os caramelos de fruta. As tatuagens nas mãos com o invólucro dos caramelos de fruta. O sabor a químicos na língua por causa dos invólucros dos caramelos de fruta. Jogar à Sirumba, aos Polícias e Ladrões, aos becos, à Corrente Eléctrica, ao Lá-Vai-Alho, ao Tesouro, à Cabra Cega, ao Lencinho. Andar de skate e de patins e de bicicleta. O mini-circuito de obstáculos para bicicletas do C.C. Vasco da Gama. A minha avó no muro do quintal de garrafão de 5l na mão a dar copos de água à malta toda. A Dona Preciosa, a Dona Mavilde e a oficina do Valdemar. O buraco no chão da sala da Dona Precisosa tapado com um tapete. As festas de rua no dia de Santo António. Pedir "um tostãozinho" para o Santo António e chamar forretas aos que davam mesmo um tostão. Saltar à fogueira na Travessa até anoitecer. Os bolos e salgados das avós, os sumos do Sr. Manel e os enfeites que, todos juntos, fazíamos para embelezar a rua. O Chalet Rebello e o mistério da sua história que tantos enredos possíveis originou na minha cabeça. As bolas que caíam (propositadamente) sem querer no Chalet Rebello. As tardes inteiras à procura das bolas que (propositadamente) só apareciam lá pela hora do lanche. O vizinho estúpido que nos furava as bolas. A avó Eduarda a chamar-me da varanda para ir lanchar. Tardes de Monopólio, de Risco, de Nintendo e de Sega. Os livros da Anita e do Wally. O Vitinho, o elefante Babar, o Denver, o Agora Escolha, a Vera Roquete, o Tom Sawyer, a Ana dos Cabelos Ruivos, o Dartacão, o MacGyver e o Michael Knight. A Rua Sésamo, a Árvore dos Patafúrdios, os Smurfs, os Gummy Bears, os Marretas, o Era Uma Vez a Vida, o Fort Boyard e a Roda da Sorte. A avó Isabel a pedir para lhe enfiar a linha na agulha, a coser soutiens e a discutir com o avô Chico. O leite quente em casa com Suchard Express e as sandes na escola com Tulicreme (a 45$). Os jogos de apanhada no recreio da escola com a equipa dos rapazes invariavelmente a fugir e a equipa das raparigas invariavelmente a apanhar. Os cantos dos muros da escola a servirem de “prisão” onde podíamos, oficialmente, de acordo com as regras nunca escritas, bater à vontade no rapaz capturado. A palette de pacotes de leite com chocolate nas escadas do recreio. As duas melhores professoras primárias de toda a história do ensino público. O senhor que vendia pirolitos à porta da escola e as histórias que se contavam dele. O avô Chico a ir-me buscar à escola à hora de almoço. As primeiras chaves de casa e o ir para casa sem o avô. As prendas de Natal escondidas debaixo da cama dos pais. Eu e a minha irmã a esticar o papel das prendas para saber antecipadamente quem ia receber o quê no Natal. O puré de batata da avó Eduarda feito no pass-vite com um bocadinho de margarina. A melhor mousse de chocolate do mundo da tia Deolinda. As tortas de chocolate da Moderna e o sortido húngaro do Tico Tico. Os livros do Tio Patinhas que o pai me ensinou a escolher sempre com a bandeira portuguesa no canto e que lia em menos de nada. As sornas que batia em cada viagem de carro, por curta que fosse, com as pernas enfiadas debaixo do banco do pendura e a cabeça no assento. Aquela vez em que, à conta disso, não paguei bilhete no ferry para Tróia porque o “pica” não me viu. Os lugares fixos no carro. Os lugares fixos à mesa de casa. As festas de aniversário sempre em família. A prenda para a irmã da aniversariante que eu não compreendia, nem mesmo quando era para mim. O “salassé simana piquina” do tio Vasco. O Xoxemas. As férias de verão no Monte Costa. A mota e a navalha do avô Gil. A calma, a paciência e a careca do avô Gil. A pressa e o sotaque da avó Alice. Cortar cascas de melancia para dar às galinhas depois do almoço. Gritar “pita, pita, pita!” para chamar as galinhas. Os banhos de alguidar na casa-de-banho sem água canalizada. A melhor canja de galinha que já comi na vida feita pela avó Alice. A banana que a avó Eduarda me obrigava a comer todos os dias porque era muito “magrinha”. A cadela Estrelinha, a gata Mimi e o gato Tareco. Os periquitos e canários do avô Chico. O gatinho atropelado que acolhi em casa, a quem dei leite por uma seringa durante dias a fio até ele se aguentar sozinho. A mãe a telefonar para casa todos os dias à mesma hora. A Mila e os nós que eu dava na bata da Mila. Jogar à apanhada em casa com a Mila. Jogar à apanhada em casa com o Chamonix. Dormir com o Chamonix nas minhas costas. Subir ao telhado para ir buscar o Chamonix. Ver a cidade e o rio do telhado. A minha sweat shirt da Waikiki com bolsos. O After-Eight derretido na pedra da lareira e espalhado pela minha cara. As castanhas assadas na lareira. O fogo na cozinha à conta ds brasas da lareira no caixote do lixo. Aprender a fazer bolos e sopa sem ajuda. Apanhar caracóis nos quintais dos vizinhos para a avó do Miguel os cozinhar para nós. Saltar muros e esfolar joelhos. Atirar papel higiénico de um 4º andar a quem passava na rua. Encomendar bilhas de gás à vizinha estúpida sem que ela o soubesse. Criar hamsters até um deles roer toda a base de uma porta de madeira. Calças de ganga com buracos nos joelhos. O tampo da secretária riscado e marcado de tantas tardes de estudo. As arrecadações do sótão cheias de pequenos e grandes tesouros. As cassetes de vídeo com a fita cortada à medida, em desmontagens e montagens tão empolgantes quanto inúteis. Os comandos das televisões e aparelhagens todos desmontados só para ver como é que eram. Levar a bola de basket para a escola para jogar em cada intervalo. Deixar de usar poupa no cabelo. Pôr aparelho nos dentes. Partir o queixo sem partir o pescoço nem o aparelho. Voltar ao local do crime já com um penso no queixo. Entrar para uma escola nova com um penso no queixo. Conhecer os amigos mais velhos da minha irmã. Fazer novos amigos. O Allo Allo, o Woody Allen, as Confissões de Adolescentes, o Full House, a Blossom, o Black Adder, o Beverly Hills e a Missão Impossível. O Duncan MacLeod e a música dos Queen. A música dos Abba e o Festival da Canção. Os discos de vinil. Os livros Confissões de um Adolescente com a Mania da Saúde e Os filhos da Droga. Os Nirvana, os Pearl Jam e o jazz. As aulas de viola com o Hélder. As viagens de barco sentada na parte exterior a apanhar salpicos de água do rio Tejo. As camisas de flanelas atadas à cintura. A palavra teledisco vs. videoclip. A MTV, o VIVA e a MCM. Começar a sair à noite. Ver os jogos do Sporting no café a comer tremoços. Odiar cerveja. Jogar snooker todas as tardes. As malas estilo 2ª Guerra Mundial à tiracolo. As idas madrugadeiras de Sábado à feira da ladra. Passear a pé por Lisboa. O cheiro do incenso e a roupa com manchados. Fazer velas em casa. As aulas de Filosofia e as aulas de História. O Indiana Jones, a Guerra das Estrelas e o Clube dos Poetas Mortos. A festa do Avante e as férias de verão a acampar. As conversa profundas, cheias de imaturidade e idealismos, a altas horas da madrugada, sentada na muralha da Av. da Praia, com os melhores amigos do mundo. Lembrar tudo isto com detalhes incríveis.

2 inputs:

Jorge Morais disse...

Oh my.. é impressionante como uma pessoa consegue rever-se em quase tudo o que descreves de tão teu.. até as tortas de chocolate da moderna lol..

E com que nostalgia me deixas agora.. =P

(Ali só juntava "Bocas, o boi" nas belas tardes do "Agora, Escolha")

esquizoide disse...

Com subtis (por vezes e por razões óbvias flagrantes) nuances, também eu tenho saudade de tudo isso. :)