sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Facadas*

Ultimamente tenho tido algumas conversas acerca do mais recente acordo ortográfico e suas implicações na nossa língua. Nessas mesmas conversas tenho tentado ter uma postura de bom-senso ou meio-termo, como prefiram, em que tento explicar à outra parte como, no meu entender, este acordo ortográfico é uma medida claramente política e não linguística. Tento explicar que o acordo ortográfico tem mais a ver com manter a nossa língua viva, sem se deixar resvalar para o esquecimento na gaveta do arcaico, em oposição ao português falado em países como, por exemplo, o Brasil, aqueles a que agora se chama de economias (ou países) emergentes.

A verdade é que sempre que tive essas ditas conversas acabei a ponderar de mim para mim se não estaríamos todos, aqueles que tinham essa conversa no momento, chamemos-lhe geração de 80, a ser uns velhos do Restelo ao não aceitar determinadas alterações na nossa escrita. Tento pôr-me no lugar de todos os que tiveram de deixar morrer o “ph” para passar a dar uso ao “f”, por exemplo, e suponho que também não tenha sido uma decisão pacífica e, provavelmente, complicada de implantar. Talvez, como jovens que somos, devêssemos aceitar essas mudanças tal como aceitámos a criação (em muito feita por nós) de uma nova escrita através da Internet e das sms – oi. dd tc? tenx fot? keres-me conhexer? ehs buede gira.
[Eu, pessoalmente falando, nunca alinhei nos “x” e nos “k” e afins, mas talvez isso simplesmente explique a conclusão deste post.]

Mas, na realidade, nem tenho sentido muito as alterações do acordo ortográfico, pelo que nem (me) tem feito muita diferença. Recordo apenas uma ocasião em que vi em destaque numa qualquer Fnac um novo dicionário já actualizado conforme o dito acordo, exemplificando na própria capa com “acção = ação”. Recordo ter feito uma cara qualquer como se tivesse acabado de beber um shot de vinagre ou batido com o cotovelo numa quina e tivesse acertado mesmo no nervo (aquele que faz doer horrores), mas virei-lhe as costas e a vida manteve-se pacata.

Estava eu nessa pacatez até hoje, quando fui ao google (sempre .pt e mais nenhum). Escrevi “gato para adopção” e ele respondeu-me “Será que quis dizer: gato para adoção”. Eu não sei bem a quem enviar a resposta, mas basicamente ela é “Não, não quis dizer "adoção", mas obrigadinhu pur preguntare.

Não sei quem foi que decidiu actualizar o google de acordo com o estupor do acordo, mas admito agora que não estou de acordo com ele, o acordo. Sou uma miúda ponderada, sou, não sou pessoa de extremismos, não sou, mas isto é demais.

Se até agora estava no limbo entre aceitar pacificamente uma decisão “superior”, agora estou decididamente contra ela e não compactuarei (jámé!). Dou graças (a quem as quiser) por não ter nascido já na era 2000 ou era garantido que ia ter muitos erros nos ditados da primária (agora diz que é primeiro ciclo..). Chamem-me o que quiserem, mudem o que quiserem, mas é certinho-direitinho que texto escrito por mim nunca terá o “óptimo” sem “p” nem a “acção” sem o “c”. Foi assim que aprendi, é assim que me parece mais correcto (com “c”) e recuso-me a entrar em facilitismos de leitura/escrita. É que as línguas têm uma base, uma raiz que lhes justifica a fonia e grafia. E, prontos, eu sou pessoa de respeitar os anciãos, mesmo numa era em que a tradição já não é o que era.

Explicando de outra forma, eu ainda sou do tempo em que até os desenhos animados diziam coisas como “Far-me-á o favor de se sentar, mileidi?” (dartacão dartacão.. és tu e teus amigos..) em vez de dizerem “Ka-mé-a-mé..!!”, que deve ser qualquer coisa como “morre cabrão” mas dito de maneira que se possa dizer em frente aos adultos sem levar reguadas.

Leio as minhas palavras e sinto-me, de facto, uma velha (do Restelo?) a falar. Mas não.. nem 30 ainda fiz! Como muitas vezes, coisas minhas..



* Espeta e roda, ou antes, dá-me lá aí um pontapé nos rins que custa menos!