quarta-feira, 23 de julho de 2008

Como me tornei estúpido

Antes de tomar a decisão que iria mudar a sua vida de muitas maneiras, antes portanto de se tornar estúpido, Antoine tentou outras vias, outras soluções para resolver a sua dificuldade em participar na vida.

Vendo o quanto o pensamento dos bêbedos era vago e desligado de toda a realidade, o quanto as suas frases se ficavam pela incoerência e, a coroar tudo isso, tinham a ilusão de debitar soberbas verdades, Antoine decidiu aderir a essa prometedora filosofia.

Cinco minutos mais tarde, uma ambulância parou derrapando no passeio diante do Le Capitaine Éléphant. Dois enfermeiros entraram no bar com uma maca e levaram Antoine em coma alcoólico. No balcão, o seu copo de cerveja estava ainda meio cheio.

- S.P.T.P.T.M., Suicídio Para Todos e Por Todos os Meios, bom-dia! – anunciou uma jovem numa voz cantante.
- Bom-dia… soube da vossa existência através de uma amiga e interessava-me o vosso curso.

Ao sair, passou pela pequena loja da associação, a qual propunha, numa maravilhosa decoração de casa de bonecas, belas cordas, brochuras, livros, armas, venenos,
amanitas phalloides secas, bem como o necessário para acompanhar uma bela morte: vinhos, iguarias finas, música.

Aslee teve a sorte, relativa, de ficar apenas com perturbações mentais, que lhe alteraram o desenvolvimento cerebral. [...] Outra consequência daqueles boiões para bebé sobredosados em fósforo era que Aslee brilhava no escuro. Era mesmo bonito.

[…] Antoine anunciou aos amigos a sua intenção de se tornar estúpido.

“O que aumenta o conhecimento, aumenta o sofrimento”

A inteligência é um falhanço da evolução. […] Mas olhando mais atentamente a vida da tribo, percebe-se que alguns garotos não participam nas actividades do grupo: ficam sentados perto do fogo, abrigados no interior da gruta. […] A natureza, ao pô-los no mundo, titubeou. Na tribo, há um miúdo cego, um garoto coxo, outro desastrado e distraído… Por isso ficam no acampamento todo o dia, e como não têm nada que fazer, e os jogos de vídeo ainda não foram inventados, são obrigados a pensar e a deixar correr o pensamento. […] Foi assim que nasceu a civilização: por causa de uns gaiatos imperfeitos que não tinham nada que fazer. Se a natureza não estropiasse ninguém, se a matriz fosse sempre perfeita, os homens ter-se-iam mantido uma espécie de proto-hominídeos, felizes, sem qualquer ideia de progresso, vivendo perfeitamente sem o
Prozac, sem preservativos nem leitores de DVD com dolby digital.

Tenho a maldição da inteligência; sou pobre, celibatário, deprimido.

Há um provérbio chinês que diz, mais ou menos, que um peixe nunca sabe quando urina.

- Só quero pensar menos, Ed.
- O
Heurozac tem uma acção tranquilizante e antidepressiva. É exactamente o que precisas.

Primeira etapa. Enviou uma carta de demissão à Universidade Paris V René-Descartes.

Segunda etapa. Desembaraçou-se de tudo o que pudesse estimular-lhe o espírito.

Depois de interessantes visitas a alguns vizinhos que considerava terem excelentes defesas imunitárias contra a inteligência, tomou nota do que constituiria uma decoração perfeita para a sua nova vida.

- Imagino, portanto – disse-lhe Granja -, que as nossas partidas de xadrez são coisa do passado?
- Por agora, sim. Mas proponho que as substituamos por partidas de um outro jogo que os meus vizinhos me deram a descobrir. Chama-se Monopólio. O objectivo do jogo é simples: é preciso ganhar dinheiro, ser hábil, comportar-se como um bom capitalista imbecil. É fascinante.

O
Heurozac começava a agir. Antoine andava menos tenso e deixara de sentir dúvidas e angústia. A alquimia que se estava a dar no seu cérebro e no seu sistema nervoso transformava o “chumbo” da realidade numa luminosa poeira dourada e colorida.

Estava a instalar-se lentamente na normalidade quando se decidiu a passar o teste supremo que provaria o êxito da sua integração: o McDonald’s.

[…] inscreveu-se num grande salão de musculação, luminoso e moderno, com plantas exóticas suspensas do tecto.

A história resolveu-se rapidamente: Raphi queria contratar Antoine.

Antoine deu-se conta de que, ao tornar-se rico, tinha feito apenas metade do caminho: era preciso agora desejar as coisas que os ricos desejam.

Com todas estas mudas, podemos dizer que Antoine se tornara numa espécie de cobra. Já pouco tinha que ver com o ser humano que fora outrora, como se tivesse mudado de espécie.

- Tinhas-te tornado num
zombie e nós deszombificámos-te. Missão cumprida.

- Por que é que não se pode criticar as pessoas, achá-las estúpidas e imbecis, e somos logo azedos e invejosos?

1 inputs:

esquizoide disse...

esse livro é genial, não é?! :)