sábado, 17 de fevereiro de 2007

Mobiliário simples

O estilo moderno, simples e, principalmente, barato do Ikea veio trazer novas soluções para os lares portugueses de todas as classes sociais. Há quem não se renda a esta “moda”, mas o facto é que a empresa não pára de crescer e as lojas estão sempre cheias. É portanto natural que muitos jovens (ou não tão jovens) portugueses recorram quase exclusivamente a esta loja para mobilar e equipar a sua casa.
Começa-se pelo catálogo, onde tudo está montado, agrupado e combinado com o que melhor encaixa no “cenário”. Juntam-se-lhe alguns adereços que nem estão à venda na loja, cria-se uma iluminação perfeita a dar o ar matinal no quarto ou o sol de uma tarde de verão na sala, às vezes uma criança a sorrir e tudo fica magnífico.
Segue-se a ida à loja para adquirir todos os recentemente escolhidos itens. Recolhe-se um lápis, uma fita métrica e um formulário estrategicamente fornecidos em cada canto da loja. Agora é seguir as práticas setinhas azuis no chão que nos indicam o caminho para percorrer toda a loja sem nos perdermos e sem andarmos às voltas. Uns amores estes suecos. E pensam em tudo. Que sentido prático!
O primeiro piso é um descanso. Novamente encontramos tudo perfeitamente montado e combinado, confirmando assim que as coisas ficam de facto giras quando montadas e não apenas na foto do catálogo (embora na loja a iluminação “manhã saudável” se perca completamente numa mutação para “holofote meio fundido”). Nesta fase é só virar etiquetas e apontar em que corredor e secção do armazém encontraremos aquele artigo.
Pelo meio ainda nos surgem uns giríssimos sacos amarelos (emprestados!) para podermos comodamente ir já levando alguns objectos mais pequenos que se vendem logo ali, pelo meio das montras de exposição. Podemos mexer em tudo, não temos empregados chatos atrás da comissão. De facto, uma maravilha.
Chegamos ao piso de baixo e a coisa começa a azedar. Agora já se vende de tudo um pouco e o peso do saco amarelo já incomoda ligeiramente o ombro e prende movimentos quando queremos mexer em alguma coisa em exposição. Continuamos a apontar a localização de alguns artigos e acumulam-se aqueles que estão temporariamente esgotados. As pessoas já não andam nem tão bem dispostas nem tão organizadas como em cima, e nós já não somos assim tão cordiais para nos desviarmos (a nós e à porcaria do saco amarelo) de cada vez que alguém circula fora da ordem das setinhas azuis. De facto, agora já começam é a irritar um bocadinho as setas; mas porque raio é que tenho de me sentir a infringir o código da estrada se me esqueci de trazer o conjunto de copos que está lá atrás e o quero ir buscar?!
Quando sentimos que já era boa altura para ir embora, já cansados física e psicologicamente, chega-se ao armazém. É um misto de alegria (por ser a fase final das compras) e de acumulação de stress (está quase mas ainda não está.. chiça!). Tira-se um carrinho e o ânimo restabelece-nos as forças, agora que podemos largar o raistaparta do saco amarelo. Segue-se em busca dos corredores e secções desejados e, ao encontrá-los, cai-nos tudo ao chão. O móvel giríssimo em faia, com as medidas certas para a sala e um preço incrivelmente baixo (mas, pensando bem, nem tanto assim), é agora um conjunto de 3 caixas de cartão com 189x41x10cm, 130x41x10cm e 40x37x5cm, com o respectivo peso de 37kg, 29 e 8kg. A estas juntam mais algumas caixas, todas igualmente grandes e pesadas. Ânimo e boa disposição já não entram no nosso dicionário, stress e irritação tornam-se entradas recorrentes.
Carrega-se, a grande custo, as caixas correspondentes para a porcaria do carrinho que não pára de fugir, acertando-nos esporádica e sadistamente a canela ou o tornozelo.
Todas as caixas no carrinho, canelas e tornozelos doridos e algumas altercações com a/o acompanhante que acha sempre que a melhor maneira de fazer às coisas é a oposta à que propusemos, e chegamos às caixas de pagamento onde agora teremos de esperar, calmamente, a nossa vez. E calma é coisa que já se esgotou há muito.
Dez clientes mais tarde e é a nossa vez de pagar uma conta que ascende sempre às centenas de euros. Engole-se em seco e segue-se para o carro. Abre-se o porta-bagagem e nada cabe. Rebatem-se os bancos de trás e nada cabe. Abrem-se as janelas, chegam-se os bancos da frente ainda mais para a frente, e nada cabe. Novas altercações e uma vontade doida de deixar a porcaria dos móveis já ali e não ter mais chatices. Segue-se viagem com uma caixa apoiada na cabeceira do banco do condutor, duas ou três enfiadas entre os bancos e outras ainda a furarem o espaço por baixo do banco do pendura.
Chega-se a casa e nada cabe no elevador, nada passa no vão das escadas, nada passa na porta de casa ou da sala. Muita luta, nervos, cortes, pancadas e escoriações depois, as caixas lá repousam no chão da respectiva divisão.
É tempo de montá-las, mas nem todas vêm com o número de peças correcto e necessário à sua montagem. Chegamos à conclusão de que, quando lá voltarmos para tentar comprar tudo o que estava temporariamente esgotado, teremos também de ir para outra fila e pedir as peças que agora faltam.
Montamos tudo o que conseguimos, nem sempre com o sorriso que traz o cartoon das instruções e preparamo-nos mentalmente para o regresso à loja maldita. O forrobodó está prestes a repetir-se. Haja Xanax ou equivalente.